Publicado no Dia da Mulher, em 2010, em minha coluna na ANDA - Agência de Notícias de Direitos Animais
Ellen Augusta Valer de Freitas
Mulheres guerreiras sempre foram uma raridade. Isto por diversos
motivos. Seja por que a sociedade tende a menosprezar o trabalho bem
feito de uma mulher, chamando-a de histérica ou radical, seja por que as
próprias mulheres muitas vezes se comportam como minoria, sendo que são
maioria em muitos lugares do mundo.
A minha sogra é uma mulher guerreira que enfrenta uma cidade. Ela
batalha pelo bem-estar de animais abandonados nas ruas, numa cidade em
que as pessoas não se comprometem com essa questão (mas querem que seja
resolvida). Isso é uma realidade em muitos pontos do país, e em cada
ponto há alguém fazendo algo, mesmo que discretamente.
Embora animais de rua sejam um problema claramente ambiental e de
saúde pública, nem todos os “ambientalistas” pensam assim. E ocorre de
as secretarias do meio ambiente em diversas cidades ignorarem essa
questão, que está prevista em lei.
Ela faz suas batalhas publicamente, busca ajuda, sai de casa todos os
dias e vai cuidar dos cães que a esperam correndo e muito alegres.
Busca comida em locais que doam restos, algumas vezes presencia o
desprezo de algumas pessoas. Leva lá e serve, depois de separar e
preparar os pratos. Faz a limpeza, arruma as casinhas e quase nunca dá
tempo de fazer tudo.
A Vivânia Caser Bueno é uma batalhadora que vive em Veranópolis, a
terra da longevidade. E, de lá, ela mantém de forma corajosa um canil
com 40 cães em média. Trabalhando praticamente sozinha e com pouco apoio
da população.
Todos sabemos que o cão é um animal extremamente ligado ao ser
humano. Ele é carente e dependente, e é muito cruel quando o abandonam
depois de o acostumar na companhia humana. Ele gosta de brincar com
bola, vem nos abraçar, demonstra que querem estar próximo de nós e nos é
fiel. Mas a humanidade o trai de forma vergonhosa, toda vez que o deixa
num depósito, ou o abandona na rua.
Espalha-se a ideia de que as ONGs ganham muito dinheiro, mas a
verdade é que nem todas têm a atenção que mereceriam. Os demagogos que
sugerem que devemos cuidar de criancinhas carentes geralmente são os
inúteis que não fazem nada, nem pelas crianças e nem pelos animais. Mas
acham que nós é que temos de nos preocupar com toda a causa. Como se
ajudar animais fosse diminuir a cota de amor aos outros seres vivos.
Muito ao contrário.
A Vivânia Caser ganhou uma condecoração na cidade, pelo trabalho que
faz. Exibe orgulhosamente na sua sala. E com toda a razão. É um
reconhecimento pelo ótimo trabalho que vem fazendo sozinha todos os dias
do ano. Um ato de solidariedade que raramente se vê.
É um privilégio saber que, quando vou visitar minha sogra, vou fazer
trabalho voluntário com ela ali no canil. Me sinto importante no mundo,
pois sei que eles olham para a gente com esperança.
Quem não gostaria de ter uma sogra assim? Por isso admiro as protetoras de animais.
Em vez de fazer fofoca e cuidar da vida alheia como muitos fazem, vão fazer algo pela vida.
Admiro-as, pois eu não tenho coragem de catar um cachorro todo
quebrado, pegar um cavalo que foi humilhado fisicamente e tem aquela
vida miserável que todos nós sabemos como é, salvar um gato de donos
cruéis e psicopatas.
Eu não tenho coragem. Minha coragem está aqui nas minhas palavras. E
nas minhas atitudes diante da turba que insiste em seguir outro rumo
diferente do meu, que é respeitar os animais de forma ativa e genuína,
no prato também.
Admiro-a por ser mãe (e mãe do meu marido!) e ao mesmo tempo ter
muitos filhos cães, que com certeza são bem cuidados. As doações dos
animais sempre são feitas com muitas considerações. Geralmente quem vai
ao canil são famílias humildes, à procura de um companheiro para seus
filhos. O Humberto, o cão gigante e brincalhão, foi doado na semana em
que eu estava ajudando. Ela chorou muito, pois ele era o mais antigo
dali. Por ser de grande porte, era mais difícil de ser doado. E muitos o
queriam para pôr numa corrente, o que é um pecado, pois ele adora
correr. Foi doado a uma família que tem um grande sítio.
Ela também acolhe gatos, e os doa mais facilmente. A dificuldade
maior está em adotar cães que são geralmente de portes variados e idades
variadas. Os mais feios, os castigados pela vida ninguém quer.
Conhecemos exemplo semelhante em outro lugar? Sim. Crianças também são
desprezadas, depois que passam dos primeiros anos de idade. As pessoas
declaradamente só querem os branquinhos que acabaram de nascer. Isto as
que algum dia pensaram em adotar.
Mas a vida nos mostra que em toda generalização existem as exceções. E
foi o que vimos ao constatar que muitas pessoas apareciam lá e levavam
cães mais velhos. Outras preferiam os filhotes. E tem gente que liga
perguntando se tem siamês, ou pequinês. Estas são as que nada sabem da
realidade do canil. Querem chow chow, poodle. Obviamente estes cães
também são abandonados e merecem respeito, mas não é o comum.
As rádios da cidade sempre a convidam para dar entrevista e colaboram para que o tema entre nas casas das pessoas.
Ela diz que poderia estar jogando cartas com as amigas, em vez de
enfrentar tantos problemas. Ao perguntar se estaria feliz jogando carta
com as amigas ela responde: não.
Ela é feliz fazendo o que gosta e é o que mais importa.