sábado, 24 de janeiro de 2015

A fantasia masculina da caça

A fantasia masculina da caça

Publicado no site Olhar Animal na Pensata Animal http://olharanimal.org/pensata-animal/autores/ellen-augusta

Por Ellen Augusta Valer de Freitas

O conto de que o homem era grande caçador na pré história é um fetiche machista fantasioso. Serve de justificativa para atitudes ultrapassadas ligadas ao abuso de animais, endossa a violência, pois a caça - e a pesca - nada mais é do que um ato covarde e bárbaro.

Jared Diamond percebe que algo está exagerado nesse tema, contado por homens.

No seu livro 'O terceiro chimpanzé - A evolução e o futuro do ser humano' há um trecho em que cita sítios arqueológicos onde foram encontrados, junto a ossos de animais diversos, ossos e restos fecais de hienas, que podem ter sido as verdadeiras caçadoras. Em muitos momentos, a humanidade foi simplesmente comedora de restos de animais. Deve-se considerar, além disso, que a maioria dos restos vegetais não se preservam ao longo do tempo.

Só aproximadamente 100.000 anos depois do primeiro humano aparecer é que se obteve alguns indícios de caça, bem ineficientes, aliás. A base da alimentação humana é vegetal, mas isso nunca é lembrado.

"Hoje, atirar num grande animal é visto como a expressão máxima da masculinidade machista. Enredados nessa mística, os antropólogos do sexo masculino gostam de enfatizar o papel crucial da caça de grandes animais na evolução humana.

Supostamente, a caça de grandes presas teria induzido os machos proto-humanos a cooperar entre si, desenvolver a linguagem e o cérebro grande, unir-se em bando e compartilhar alimentos. Até as mulheres foram supostamente moldadas pelas grandes presas", narra o biólogo.

O autor exclama - "quanta fantasia!". E com toda a razão. As mulheres são preteridas na história da evolução. É negligenciada a seleção sexual, hipótese interessante pois pressupõe interação entre os indivíduos, o que desenvolve a inteligência e diversas outras capacidades.

As pessoas passam adiante, sem conhecimento ou fonte, dúvidas sobre a evolução, como se fossem certezas. O andar ereto, o manuseio, o cuidado com as plantas, tudo pode ter contribuido ao mesmo tempo, e em tempos diferentes para a evolução de capacidades.

'O homem caça e a mulher coleta' - essa temática é a vigente e pouco foi questionada pelos arqueólogos convencionais. E ainda tem quem use essa falácia como argumento na hora de defender a caça e consumo de carne. Porque o homem a praticou, e muito mal, há 100.000 anos, devemos continuar? Se essa brutalidade deve ser praticada, podemos também retroceder em outras questões?

O humano é um ser que adora explorar a qualquer custo. A maior prova disso é que, mesmo hoje, com a popularização das discussões sobre ética, qualquer descoberta no sentido de que um ser não sinta 'dor' já é motivo para plena apologia ao seu uso, não importando sua dignidade, que é o que mais deveria importar, a despeito de qualquer sensação. O que interessa é que sirva como alimento, roupa, lucro! Até mesmo as recentes possíveis descobertas sobre condições para a vida fora do ambiente terrestre têm, nas mentes mesquinhas dos terráqueos humanos, o brilho de um único fim, o acampamento, a conquista, a exploração a qualquer preço. Quer-se fazer de um lugar imaginário, e talvez inacessível, o mesmo inferno que se está a fazer neste planeta.

Mas talvez a arrogância humana tenha algum dia um fim. Talvez existam outros seres mais poderosos, mais arrogantes ou talvez mais generosos ou simplesmente singelos, por fim, que suplantem nossa deselegante ignorância estelar, de nos considerarmos os únicos.
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