Por Ezio Flávio Bazzo
E o corpo da cantora Whitney Houston continua indo de um lado a outro para as tais "necrópsias"... Segundo o espírita que comercializa besouros de papel machê ali na porta do STJ, nessas circunstâncias, o espírito da morta também vai para todos os lados, acompanhando a carne e os ossos de sua antiga residência com medo que algum necrófilo possa burlar-se daquele ser nocauteado. É curioso como na modernidade a cocaína, o álcool & derivados tem servido como ardis para os suicidarios encurtarem suas trajetórias e simplificarem seus destinos. Parece até um truque para, por um lado, confundir a plateia e por outro, seguir dando continuidade à candura infantil da espécie e ao romantismo esdrúxulo que se precisa forjar no aqui e no nada. A pistola, a corda, a navalha ou a espada são velharias brutais do passado, explícitas demais e fora de moda... Um dos livros que mais me influenciaram lá na adolescência foi aquele do Emil Durkheim que trata exatamente do único problema filosófico realmente sério, isto é, do golpe definitivo contra si mesmo. O fato daquele sociólogo especular sobre a ideia de haver mais ou de haver menos suicídas nesta ou naquela estação do ano, me pareceu algo simplório, mas ao mesmo tempo transcendente. Foi a partir daquela leitura que o inverno e a primavera passaram a ter para mim um significado especial e quase secreto obrigando-me a, diante de cada suicídio, ir checar a temperatura e o calendário.
Leio aqui nos meus arquivos que Aristóteles, seguindo os passos de Sócrates, eliminou-se com um trago de Cicuta. Walter Benjamim valeu-se da morfina. O psicólogo americano Bruno Bettelheim sufocou-se com um saco plástico. Maria Karin Boye, poetisa sueca, refugiou-se num bosque nevado, ingeriu um vidro de soníferos e morreu congelada. Camilo Castelo Branco fez uso da pistola. O poeta Hart Crane jogou-se ao mar no Golfo do México. Guy Debord, aquele que escreveu A sociedade do espetáculo e que produziu o filme Uivos a favor de Sade deu-se um tiro de espingarda no coração. Gilles Deleuze, o autor de Anti-Édipo, voou (como um pássaro) da janela de seu apartamento. Hitler, ingeriu cianureto com champanhe. O conhecido e patrono da humanidade, Judas Iscariotes jogou aquelas trinta moedas para dentro de um templo (nascia ali o estelionato do dízimo?) e enforcou-se numa figueira. Paul Lafargue (genro) e duas filhas de Karl Marx suicidaram-se injetando ácido cianídrico nas veias. O conhecido Primo Levi, autor do livro: É isto um homem?, jogou-se das escadaria do prédio onde morava em Turim. Amy Levi, a feminista e ativista política inglesa inalou monóxido de carbono da fumaça de um aquecedor doméstico. A famosa Lucrécia, aquela de Roma, enfiou-se um punhal no peito. O badalado Maiakovski, aquele a quem se atribui equivocadamente o poema: [Na primeira noite eles se aproximam / roubam uma flor / do nosso jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem : / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada./ Até que um dia / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo o nosso medo / arranca-nos a voz da garganta./ E já não dizemos nada], saiu desta vida dando-se um tiro no peito em sua casa em Moscou. O velho Guy de Maupassant que vivia na boa vida escrevendo, namorando e navegando com seu veleiro pelo Sena meteu-se uma navalha no pescoço. Mishima, o autor de Confissões de uma máscara, praticou o haraquiri ritual. Montezuma II, (patrono dos anoréxicos?) matou-se deixando de comer. Narciso, todo mundo sabe: quis enrabar-se a si mesmo e morreu afogado. Pedro Nava, memorialista mineiro e primo de Raquel de Queiroz, chantageado por um homossexual com quem se relacionava, deu-se um tiro nos miolos. Pilatos, aquele da lenda, suicidou-se com uma espada. Sylvia Plath enfiou a cabeça num forno. Pórcia, a mulher de Bruto, matou-se ingerindo carvão em brasa. Horacio Quiroga, escritor uruguaio, jogou-se ao mar etc., etc., etc. (Fonte: Dicionário de suicidas ilustres, J. Toledo)
O mesmo espírita que vendia besouros de papel machê na entrada do STJ, depois de lembrar-me que Santos Dumont suicidou-se com uma gravata defendeu a ideia de que desde o jardim de infância até os cursos de pós graduação deveria haver uma matéria específica sobre o suicídio. Apesar e a propósito do silêncio hipócrita da sociedade sobre esse assunto, pareceu-me uma ideia mais do que razoável.