terça-feira, 5 de agosto de 2014

Ambientalista é a mãe

Observem o título deste artigo. Desde esta época, o jornalista Washington Novaes já fazia uma reflexão sobre tal palavra, o que me chamou a atenção. Hoje, ambientalista é quase sempre o tipo de pessoa que está pouco se lixando para os animais, que é parte fundamental de qualquer ecossistema, especialmente o urbano, esquecido dos especistas e ambientalistas que acham que a Natureza está lá - longe - no alto das montanhas ou no meio da floresta.
O típico ambientalista incoerente é aquele que segue comendo carne, fazendo um monte de churrasco, caçando, andando de carro de campo - com tração nas quatro rodas, fazendo discursos jocosos contra aqueles que querem proteger os animais juntamente com os ecossistemas, pois não temos uma visão egoísta/antropocêntrica da natureza. Não queremos preservar 'para bonito', nem para as gerações futuras, nem para bancos genéticos. Apenas queremos respeitar a dignidade dos animais e garantir-lhes o direito de todos viverem suas vidas em seus ecossistemas.
Ellen Augusta

Obs.: Washington Novaes faz um depoimento muito interessante no documentário A Carne é Fraca, do Instituto Nina Rosa, dizendo que o churrasco brasileiro tem cheiro de floresta queimada.
Ambientalista é a Mãe!

Artigo de Washington Novaes, publicado no jornal "O Pasquim 21", dia 26/02/2002.

 Não há nada mais irritante que ser chamado de ambientalista. Como se o mundo pudesse ser dividido entre ambientalistas e não-ambientalistas. Como se os primeiros fossem seres mais ou menos excêntricos, preocupados com florzinhas, passarinhos e verdinhos. E os segundos, seres despreocupados, porque o que comem não vem do meio ambiente e nele não tem repercussões, o carro que usam não gerasse poluentes e não contribuísse para mudanças climáticas, a casa que moram não fosse feita de materiais retirados do ambiente e com conseqüências dessa retirada, o computador que usam não utilizasse energia retirada do ambiente, a água que consomem não estivesse no ambiente, sem relação com o que se faça ao redor. E assim por diante.
 Mas a despreocupação é muito vantajosa, permite agir - como político, como empresário, como cidadão - como se nada estivesse repercutindo no meio ambiente - no solo, na água, no ar, nos seres vivos. E assim continuar a ganhar a vida, ganhar dinheiro, despreocupado, transferindo os custos para a sociedade. E, nesta, para os que podem menos.
 Pior ainda é ser considerado jornalista e ambientalista. Como se fosse possível ser jornalista num mundo sem relações complexas com o entorno. Fazendo de conta que o planejamento dos transportes no governo não afetasse os lugares onde as obras vão acontecer. Que o ordenamento financeiro não destinasse mais ou menos recursos para esta ou aquela área e que isso tenha conseqüências no ambiente. Que a agricultura se exerça num espaço abstrato, sem efeitos no solo, na água, no ar. Que a educação não tenha nada a ver com isso, não precise ensinar às pessoas as repercussões de cada ato, cada gesto, em sua vida. Que a saúde também se exerça num espaço abstrato, sem relação com o que se come, se bebe, se respira - e se evacua. Que cada ser humano não consuma 200 litros de água por dia, em média, e produza o mesmo tanto de efluentes (esgotos), acrescido de suas fezes (pelo menos 250 gramas/dia) e que estas não afetam o ambiente.
 Depois de tantas abstrações, seria possível exercer o jornalismo esquecendo também que os modos inadequados de viver estão gerando ameaça de mudanças climáticas. Que um bilhão de pessoas já sofrem com a falta de água em boas condições. Que dois bilhões e meio não tem rede de esgotos. Que a chamada crise da água é a pior deste século e já provoca guerra entre países. Que o desmatamento de florestas tropicais continua a avançar à razão de 150 mil quilômetros quadrados por ano. Que essa é uma das principais causas da desertificação que avança 60 mil quilômetros quadrados por ano e já abrange um terço das terras agricultáveis do planeta. Que a erosão do solo pela agricultura provoca a perda de 23 bilhões de toneladas de solo fértil por ano (um bilhão no Brasil). Que tudo pode agravar-se porque a tendência é passarmos dos 6 bilhões de pessoas de hoje para 8,5 ou 9 bilhões em 50 anos.
 Seria possível fazer de conta que não se viu o relatório do programa das Nações Unidas para o meio ambiente e WWF, no começo de 2001, dizendo que já estamos consumindo 42,5% acima da capacidade de reposição da biosfera e aumentando o déficit de 2,5% ao ano. Que se todos os habitantes do planeta consumissem como os norte-americanos ou europeus, precisaríamos de três planetas como a terra, e não um. Que já estamos falidos, gastando mais que o orçamento e agravando o déficit.
 Seria possível esquecer que os países industrializados, com 19% da população, consomem 85% do que se produz no mundo e respondem por outro tanto do comércio mundial. Que na chamada era do conhecimento eles detêm 90% das patentes novas requeridas no planeta. Que as três pessoas mais ricas do mundo têm ativos superiores ao PIB (Produto Interno Bruto) dos 48 países mais pobres do mundo, onde vivem 600 milhões de pessoas (Relatório do Desenvolvimento Humano do PNDU, ONU). Que pouco mais de duzentas pessoas, com ativos superiores a US$1 bilhão cada, detêm, juntas, mais que a renda de 45% da humanidade, 2,7 bilhões de pessoas.
 Se for possível esquecer tudo isso, também prefiro não ser ambientalista, viver e dormir mais tranqüilo todos os dias. Se não for, terei de continuar, como há 45 anos, preocupando-me profissionalmente com essas coisas, tentando entender a relação entre elas e as atividades humanas, para transmitir aos poucos os que têm paciência de ler, ouvir, ver.

http://www.washingtonnovaes.com.br
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