segunda-feira, 28 de abril de 2014

O transtorno bipolar - Uma mente inquieta

Ellen Augusta

Hoje, no sol da manhã, nem tão manhã, acabei de ler o livro Uma mente inquieta, de Kay Redfield Jamison, comprado num brechó beneficente para animais carentes, ao precinho de quatro reais.
O livro é escrito por uma mulher corajosa, que assumiu uma doença, colocando em risco sua profissão, e tornando possível uma medicina e ciência talvez menos 'objetiva' e menos 'especialista'.
Algumas coisas não gostei no livro, então vou começar por aí, para depois nos deliciarmos com o bom, que nesta leitura é praticamente o que há.
Embora ela trabalhe em artigos sobre o uso de álcool e drogas pelos bipolares, ela romantiza o seu próprio uso de álcool em diversas partes do livro. O assunto faz parte de seu relato pessoal, mas fica controverso, do ponto de vista profissional. Como o livro é uma biografia, ela tem o direito de fazer o que quiser com suas memórias. Mas é minha crítica.
Ela trata os animais como objetos e brinquedos, dos quais se cansa, compra-os, e joga-os fora, usa-os em experiências que ela mesma julga desnecessárias, mas sem crítica alguma, e ri de tudo de uma forma debochada, mas em nenhum momento ela coloca essa sua forma de pensar dentro de seus sintomas. Apenas em um ponto do livro, ela menciona um ato de compra de animais, como parte de suas crises, mas dentro das crises de compras compulsivas.

No restante do livro, essa pesquisadora e médica, teve a coragem de assumir uma doença estigmatizada, e assumir riscos, pelo preconceito que sofreria, inclusive na esfera pessoal.
A sociedade, embora esteja composta pelo normatizado, num rápido olhar, comporta muita gente imatura e até mesmo desequilibrada, e nega e não aceita a loucura propriamente dita. Possui um preconceito com relação a certas doenças. Se você assume que possui uma doença, não raro perde amizades, sofre preconceitos, ouve absurdos, como eu presenciei pessoalmente.
E não raro, é pior ter uma doença puramente mental, do que uma doença física, do qual as pessoas possam ver. Parece que a doença mental ou não aparente, sendo invisível, é menos crédula. E você passa por mentiroso, por preguiçoso, por incauto, ou descuidado.
A Kay R. Jamison também ultrapassou o que chamo de mania de cientista de objetivar e especializar ao infinito.
Essa coisa que a ciência tem de manter tudo limpinho, de especializar e dividir tudo sempre, de ridicularizar os sentimentos. Essa 'mania' também causou o sofrimento de muitos animais, pois é necessário usá-los à exaustão, cada vez que é preciso um 'novo' resultado, quando, muitas vezes, esse resultado não é tão novo assim.
Um louco clinicando? Sim, meu filho...
Essa mulher estudou de todas as formas sua própria doença. E desafiou a ciência quando provou que uma pessoa 'doente' pode sim clinicar e estudar mesmo com uma doença, se estiver recebendo o tratamento adequado. Um doente não deve ser isolado da sociedade.
O mais interessante é que ela provou que sim, pode falar sobre sua doença e tornar o assunto público, quebrando aquele preconceito de que um psiquiatra não pode revelar uma fraqueza. Quando alguém fala o termo 'não vamos generalizar', essa frase vem dessa influência científica, de que tudo deve ser espicaçado, dividido em mil.
Sim! Na Natureza, praticamente tudo que não é regra é exceção, isso é praticamente a regra. Só que existem faixas gigantescas de 'mediocridades' e aqui a palavra nada tem a ver com o sentido pejorativo. Mediocridade é apenas onde as coisas acontecem de modo mais uniforme, ou seja, o lugar médio, mais geral. Isso acontece com populações inteiras de plantas, animais, grupos humanos, e basicamente tudo. Por isso, no Jornalismo, nos textos curtos, artigos de opinião, é comum a generalização. Mas convém não esquecer os pequenos cantos da hipérbole, onde há a maior diversidade e diferença. Pois tudo deve ser respeitado. Um exemplo disso é você dizer: Há fome no mundo. Aí vem alguém e te diz: Não vamos generalizar! E a pessoa te diria isso por que há dois ou três países em que não há fome. Sabe por que ninguém fala isso? Por que esses assuntos já são consenso. Geralmente essa frase é usada em assuntos ainda sem definição, ou que incomodam.O mais legal é que descobri que este livro é receitado por psiquiatras no tratamento do transtorno bipolar. Ou seja, nada melhor do que alguém ler o relato, as memórias de uma pessoa humana, para que ele mesmo entenda e se sinta menos diferente, menos 'específico', que é o que mais me conforta, quando descubro que o que possa ter de doença ou não-doença não é assim tão 'de outro mundo'.

P.S. E a escritora em um capítulo nos faz pensar se o termo loucura é realmente tão feio assim.
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