quinta-feira, 9 de julho de 2015

Uma voz sozinha, por jaulas vazias

Hoje eu falei para muitos biólogos. Mas eu estava só.
Embora como professora seja ótima para falar, sou tímida para falar em público. Mas o que eu tinha a dizer, só eu diria.

O tema do debate era o futuro do Zoológico da região metropolitana do Estado do Rio Grande do Sul.
O temor que gira entre o público e o privado ante o mistério do que será feito com os funcionários e trâmites gerais sobre o Zoológico, que pertence à Fundação Zoobotânica.
O que se disse no início da reunião é que ela se dava sob o ponto de vista dos animais, mas não foi o que percebi. 
O que mais aconteceu eram elogios ao bom trabalho até então realizado pelos funcionários do Zoo.

As imagens passadas no telão me causavam tudo, revolta, asco, tristeza. Mas a intenção era mostrar o quão lindo são os animais e o trabalho educacional/resgate/conservação e manejo genético de espécies.
 22 imagens de animais enlouquecendo em zoos pelo mundo - sou contra todas as jaulas, inclusive para humanos. O comportamento de olhar para parede indica algo como perturbação, loucura.
Essa mania de aprimorar genes, colecionar animais, troca troca de figurinhas (animais), emprestar, importar (como aconteceu com a girafa que tanto tivemos que lutar para impedir), garantir, aprisionar, colocá-los em uma jaula com piso de cimento e depois chamar tudo isso de tratamento adequado, é romanceado pelos meus colegas biólogos, presentes em massa neste evento.

Na platéia, onde eu estava, havia veterinários, biólogos, professores e defensores de animais. Atrás de mim, dois babacas falando de carne sem parar, como quem fala de partes do corpo de uma mulher, e elogiando grandes empresas de frigoríficos.
Ao meu lado um grande professor que tive, cuja frase levo até hoje em minha vida. Numa aula, disse que o biólogo deve estar no ambiente urbano, onde os problemas começam, e não lá longe, no meio do mato. Nunca mais esqueci disso.

Depois fui chamada à mesa para falar de algo "diferente": fechar essas jaulas e abrir santuários, tendência no Exterior. Aqui ainda se discute para quem se passa a chave da cadeia.
ISSO é tão ultrajante, que parece uma irônica instalação de arte, um absurdo, uma brincadeira de mau caratismo.
A desculpa da educação ambiental mais uma vez coloca o peso no colo das crianças. A pedagogia do cárcere, minimiza o animal como aquele que já perdeu tudo e é um arremedo de si mesmo.
Temos que aprender a não olhar para os animais como objetos.

A educação vegana respeita-os e os considera íntegros em seus próprios ambientes. Os animais resgatados precisam de santuários, longe da vista nociva do humano.
Os professores, e eu tenho mais de dez anos de prática didática sem essa bobagem, que se virem para encontrar formas mais interessantes e menos opressoras de educação.
Aprendam a respeitar, antes de olhar. E não é preciso ver o que não é daqui.
Nunca vi os seres vivos das Zonas Abissais do Pacífico, e minha erudição não ficou comprometida. Mas o mesmo não posso dizer de tantos outros que vivem fazendo churrascada e bebendo no parque zoológico como pretexto de ver os animais.

A educação ambiental há muito precisa ser questionada, aliás, no que se refere aos animais.
Em vez daquelas reuniões enfadonhas de professores, por que não refrescar a didática nesse sentido meus caros colegas?
Faltam propostas efetivas pois ainda se usam os mesmos métodos a séculos, ensinando as crianças a serem especistas e criando-se a cultura da jaula, da exploração, do uso dos animais como artefato, como diversão, e como se fosse obrigação deles estarem ali, como objeto de nosso estudo.

Não são. Eles não tem interesse em estar ali. Não querem nossa presença e não há nenhum benefício para os animais na visitação humana. Por isso é necessário a criação de santuários para a sua proteção e não para nosso deleite visual nem científico.

O fato de um determinado lugar que sim, permite a visitação de humanos, ser "modelo", não significa que ele seja ético. Os animais precisam ser deixados em paz. Chega da intervenção humana em demasia. Eles precisam dos cuidados básicos, do resgate, da reintegração, na medida do possível. Mas, dado isso, basta!
Basta dessa coisa de horda de pessoas enchendo o saco, visitas sem fim, sob pretextos mil. Uma vez na vida deixe-os em paz e em silêncio.

O curioso é constatar o romantismo dos meus colegas, pois é sempre a mesma conversa, ninguém sai do jargão. Todos estavam mais interessados é em seus empregos. Nunca há um outro questionamento. E eu me senti orgulhosa de mim, por estar aqui, e não lá, no meio deles.
Por ter falado contra a corrente a única coisa que importava, por ter dito o que ninguém provavelmente queria, ou esperava ouvir. E o que falei é algo baseado em bibliografia e em princípios filosóficos. Pois muitos pensam que, por usar jaleco, ser especialista em qualquer coisa ou ter doutorado, sabem mais. Nem sempre. Fiquei orgulhosa por saber intimamente, que, mesmo sendo voto vencido, eu estava ali para marcar presença e ser o que realmente sou: justa comigo e com os animais. Sou bióloga de verdade pois sigo meu juramento.

Ps.: No momento que você compactua com o troca troca de figurinhas entre os zoológicos, saiba que está compactuando com a perpetuação disso: Fotos chocantes do “Zoológico da Morte”, na Indonésia, evidenciam os horrores sofridos pelos animais
http://www.anda.jor.br/30/05/2014/fotos-chocantes-zoologico-morte-indonesia-evidenciam-horrores-sofridos-animais
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