Mas, ao ouvir os gritos, não pude deixar de descer. Pois imaginei o cenário que iria encontrar lá embaixo, e não poderia deixar de colocar minha mão ali.
Quando abri a janela, tinha um cara simpático que viu minha cara de sono e perguntou: tem alguma coisa para a campanha do agasalho? E eu disse, sim. E, quando desci, brinquei, é furadinha, e ele disse, tá valendo. (Depois acordei mais e voltei com uma sacola de mantas).
Mas antes de voltar, eu falei: Aqui é todo mundo de nariz empinado!
No que ele me revelou: Eu sei, este é o bairro que menos doa roupa nas campanhas.
Sabia que iria encontrar o cenário que eu vi, ao descer lá. As casas todas com as janelas fechadas (já falei desta patologia nesta postagem aqui: http://desobedienciavegana.blogspot.com.br/2014/10/para-que-janelas-tao-grandes-se-estao.html ) ninguém na rua, e um outro voluntário chegando com duas mudinhas de roupa de algodão. Por isso eu desci!
Tenho sempre a sensação que, se não for eu, não é ninguém.
Neste lugar, onde todo mundo tem carrão, onde somos vistos como favelados só por que não temos carros, nem TV e por que não nos vestimos como idiotas.
Neste lugar, que ninguém se cumprimenta.
Eu obrigo todos os meus vizinhos a me cumprimentar, faz parte da minha pedagogia. Ai do tolo que passar por mim no meu prédio e fazer-se de desconhecido, porque aí serei mais enfática na minha simpatia... ;)
Aqui nesta rua e em todo este lugar, desde as nove da manhã, já tem fumacê de churrasco, já tem gente muito bem acordada. Mas para descer e doar um casaquinho ninguém abre a porra da janela.
As pessoas daqui são doentes. Elas deliberadamente fingem que não conhecem ninguém.
O mesmo não acontece, por exemplo, no bairro onde fui passear, no mesmo dia.
Há lugares onde os mendigos podem dormir e os animais são bem vindos. Aqui, nos prédios, as crianças não podem jogar bola, mas há bitucas de cigarro no chão e fumaça de churrasco, das construtoras, por toda a parte. Há sempre as malditas regras de condomínio, tudo proibindo a convivência. O adulto de hoje se considera superior a todos os demais.
Não sabe que é apenas mais um estúpido, é usado, é um objeto, e aos meus olhos, é apenas um número, um zero. Um otário que compete para ver se consegue explorar mais do que é explorado.
Há bairros que as pessoas se permitem ir para a calçada e é permitido um pouco de arte urbana. |
Sou absolutamente fã deste tipo de atitude. |
Adoro participar de pequenas atitudes da coletividade |
Eu sou assim e me identifico com quem é assim. Não gosto de quem é abobado, positivo demais, de quem é frio demais, de quem faz que não te conhece, nem de quem não tem coragem de ser seu amigo, se há amizade e empatia para isso. Prefiro me afastar, prefiro ser só e anônima, a viver cercada de gente "normal" que prefere encher o cú de carne, TV e celular, a descer e ajudar àquelas pessoas com roupas usadas.
Chaves - fragmento - O velho do saco