domingo, 14 de junho de 2015

Este é o bairro que menos doa roupas para a Campanha do Agasalho

Hoje perto das 11horas da manhã, parou o caminhão da Campanha do Agasalho pelas ruas deste bairro. Foi a primeira vez. Os voluntários saíam pelas ruas gritando procurando doadores de roupas. A poucos dias fiz duas doações, cinco ou seis sacolas de roupas e utensílhos domésticos para uma pessoa que perdeu tudo. E roupas para brechós pelos animais. De modo que eu tinha apenas um tricô, daqueles de trama mais furadinha, meia estação. Ontem fui dormir quase as 6horas da manhã, e hoje pensei, bem posso deixar essa blusa ali na campanha do super, já que é apenas uma.
Mas, ao ouvir os gritos, não pude deixar de descer. Pois imaginei o cenário que iria encontrar lá embaixo, e não poderia deixar de colocar minha mão ali.

Quando abri a janela, tinha um cara simpático que viu minha cara de sono e perguntou: tem alguma coisa para a campanha do agasalho? E eu disse, sim. E, quando desci, brinquei, é furadinha, e ele disse, tá valendo. (Depois acordei mais e voltei com uma sacola de mantas).

Mas antes de voltar, eu falei: Aqui é todo mundo de nariz empinado!
No que ele me revelou: Eu sei, este é o bairro que menos doa roupa nas campanhas.

Sabia que iria encontrar o cenário que eu vi, ao descer lá. As casas todas com as janelas fechadas (já falei desta patologia nesta postagem aqui: http://desobedienciavegana.blogspot.com.br/2014/10/para-que-janelas-tao-grandes-se-estao.html ) ninguém na rua, e um outro voluntário chegando com duas mudinhas de roupa de algodão. Por isso eu desci!

Tenho sempre a sensação que, se não for eu, não é ninguém.
Neste lugar, onde todo mundo tem carrão, onde somos vistos como favelados só por que não temos carros, nem TV e por que não nos vestimos como idiotas.
Neste lugar, que ninguém se cumprimenta.
Eu obrigo todos os meus vizinhos a me cumprimentar, faz parte da minha pedagogia. Ai do tolo que passar por mim no meu prédio e fazer-se de desconhecido, porque aí serei mais enfática na minha simpatia... ;)
Aqui nesta rua e em todo este lugar, desde as nove da manhã, já tem fumacê de churrasco, já tem gente muito bem acordada. Mas para descer e doar um casaquinho ninguém abre a porra da janela.
As pessoas daqui são doentes. Elas deliberadamente fingem que não conhecem ninguém.

O mesmo não acontece, por exemplo, no bairro onde fui passear, no mesmo dia.

Há lugares onde os mendigos podem dormir e os animais são bem vindos. Aqui, nos prédios, as crianças não podem jogar bola, mas há bitucas de cigarro no chão e fumaça de churrasco, das construtoras, por toda a parte. Há sempre as malditas regras de condomínio, tudo proibindo a convivência. O adulto de hoje se considera superior a todos os demais.
Não sabe que é apenas mais um estúpido, é usado, é um objeto, e aos meus olhos, é apenas um número, um zero. Um otário que compete para ver se consegue explorar mais do que é explorado.
Há bairros que as pessoas se permitem ir para a calçada e é permitido um pouco de arte urbana.
E eu, que tenho meus ataques de misantropia, que não estou nem aí para essa gente que nem sequer abre a janela para ajudar alguém... Eu que coloco toda minha raiva para construir e destruir, para escrever, ajudo por raiva, por revolta, por ver que os demais são omissos e são piores que os maus.
Sou absolutamente fã deste tipo de atitude.
Eu, tenho que suportar o silêncio e a indiferença dessa gente que nos atos é engessada mas, depois, vai fazer discurso cínico de bondade, de preocupação com o país, com o dinheiro público, com as pessoas.
Adoro participar de pequenas atitudes da coletividade
Eu, que tenho meus delírios de solidão, minhas vontades de ficar só, e com toda a razão, motivos de sobra para me afastar de pessoas que não têm maturidade alguma, senso de bondade, empatia ou gratidão pela própria vida, mas suga o mundo e os demais, sou a que mais adora participar da coletividade, de campanhas como esta, de atitudes, de pequenas doses de anonimato que irão fazer sorrir ou pensar alguém que eu não conheço!

Eu sou assim e me identifico com quem é assim. Não gosto de quem é abobado, positivo demais, de quem é frio demais, de quem faz que não te conhece, nem de quem não tem coragem de ser seu amigo, se há amizade e empatia para isso. Prefiro me afastar, prefiro ser só e anônima, a viver cercada de gente "normal" que prefere encher o cú de carne, TV e celular, a descer e ajudar àquelas pessoas com roupas usadas.

Chaves - fragmento - O velho do saco

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