quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O aposento do intangível, La niña blanca e os cemitérios...

O fascínio que a morte nos provoca não é novidade alguma. Esta atração é mais do que a prova de que estamos vivos. Essa imensa curiosidade sobre o mundo intangível. A frase que usei no título é de um episódio do Chapolín Colorado, onde se brinca com a morte: "Silêncio, silêncio, quero agora entrar, no aposento do intangível". Não se engane em me ver toda colorida. Dentro de mim há uma gótica e uma amante do mistério. E quando me cubro de negro, é por que algo transborda.
Visito cemitérios sempre que encontro um. Sou gótica, não há outra definição. Adoro estar naquele lugar silencioso, cheio de registros da história de pessoas que já partiram. Datas, manifestações de fé, lembranças e flores. À noite o cemitério é um lugar sinistro e totalmente silencioso. Durante o dia o Sol queima as lápides e as flores, e escondem os cadáveres na escuridão da terra. Nos cemitérios do interior do Estado, quase nunca há visitantes, o lugar é ermo.
O cemitério mais antigo que visitei, e maior, foi o de Rio Grande. Algumas lápides eram do século passado, datavam de 1800 e já estavam apagadas, restando alguma pista apenas de seus habitantes. Neste dia, quem me acompanhava me deixou sozinha a meu pedido, em meio a grandes ruas, o dia estava terminando, temia que fechassem as grades, foi assustador. O céu estava nublado, parece um conto de terror, mas foi pura verdade. Uma pena que por ser tarde demais, não pude conhecer todo o camposanto, e tive que ir embora. Tenho, portanto, poucas experiências nestes lugares. Por não ter muita companhia, pois ir sozinha é um risco.
Meus familiares mais antigos estão em um pequeno cemitério, entre as montanhas de um lugar lindo que adoro muito! Quando fecho os olhos, o lugar está aqui, na minha lembrança.
Ia sempre com minhas tias e minha mãe que o visitava ano após ano, uma delas já se foi e hoje mora (vive?) neste mesmo cemitério. Lá estão meus bisavós e tios que nem conheci também. Meus nonos, Carmelinda e Heitor Valer.
Na mesma cidade quando eu era muito criança, minha mãe visitava um cemitério no centro, onde estava seu irmão, e era muito triste ver ela chorando em frente ao seu túmulo. Mas nesta época eu não entendia nada da morte. Só sabia que ela sofria por alguém que estava ali, e não mais aqui...
Meus parentes, na época, achavam estranho eu fazer fotografias de um lugar como este. Mas as fiz. Em papel ainda, e estão guardadas comigo, pois não as digitalizei. São as poucas lembranças que possuo dos meus ancestrais, aliás. Pois da minha família não sobrou nada, poucas fotos apenas.
Este é o lugar onde reina a 'La Santa Muerte', la niña blanca, a morte, como conhecem os mexicanos. Uma santa com rosto de caveira, adorada por muitos naquele país.
Eles dizem que ela é quem vem nos buscar, no dia da morte. É uma das personificações mais interessantes da morte. E a única coisa que eu acredito, pois no que vou acreditar?
Nos cemitérios interioranos o catolicismo é a única manifestação de fé. É difícil ver um túmulo sem um sinal. Na capital, a coisa já é bem diferente, diferentes atos de fé convivem com o ateísmo e o nada. Aqui já é mais difícil eu fazer uma visita. Já tentei, mas... o medo dos vivos me assombra....
Já visitei cemitérios a noite. Sempre acompanhada, pois a sós é pedir para correr riscos, ser agredida talvez, por vivos é claro. Pois o silencio da noite e a lua, em meio a estas lápides, é de uma poesia indescritível. É algo adolescente, é uma paz permeável e é mortal, permita-me dizer.
Você se sente parte de um não lugar, onde ninguém quer estar, exceto eu, e aqueles que partilham deste encanto, desta vontade de estar nesta poesia.
Há um silêncio e a escuridão da noite e uma luz, da lua, de postes iluminados. Todos ali estão mortos, já não podem mais fazer ruido sequer.
É uma lástima perder pessoas que amamos. Eu perdi, há pessoas, conheço, que nunca perderam ninguém. Não sabem dessa dor. Temo por elas, quando souberem.
Mas existe isso, o de se acostumar e ver a morte por este lado, o poético. É um jeito será, de lidar, de entender, ou de nada, apenas de ver um lado lindo, de algo mais interessante, do que algumas coisas diuturnas, que simplesmente não me interessam!
Me interessam igrejas, simbolismos pagãos, capitéis de beira de estradas, típicos da colonização do interior, a fé dessas pessoas, tento entender.
Eu tenho esse amor pelo lúgubre, como tenho amor por tantas outras coisas.
No interior a fé é um dos modos de aplacar a solidão, outros modos incluem o alcoolismo, o consumo de bobagens como carro, moto, contar vantagem sobre quantas mulheres se têm, além da esposa, mais ou menos como aqui, porém mais doentio. As mulheres caladas rezam ou ficam mudas, bebem demais nas festas estão sempre caídas deploravelmente, segundo depoimento de quem presenciou uma festa em específico.
E grandes festas comunitárias giram em torno da fé em uma religião específica.
Faço da poesia meu santuário, fora dela, faço o que eu quero. Não tenho pretensões, até por que sei das minhas limitações, ou pelo menos acho que sei. Pois também reconheço perfeitamente minhas qualidades.
Um autor que admiro disse no último livro que eu li, que embora ele tenha tanta revolta dentro de si, também tem em si muita alegria de viver. Mais ou menos isso ele disse. E com toda a certeza ele me traduziu, ou, me identifiquei. Esse autor, quem lê meu blog, já sabe quem é. O admiro muito, pois me identifico com suas palavras.
Pois quem ama a morte, quem tem a revolta em si, só pode amar a vida. As coisas se completam invariavelmente.  Há muito essa força de vida na revolta, coisa que eu sei muito bem.
Contemplar os mortos é ver um futuro, é ver portanto a paz, contemplar uma possibilidade, uma certeza. E, saber que no presente só nos resta viver. E eu sou por vezes tão covarde, tenho medo de pequenas coisas, elevador, altura, falar em público, etc. E me falta viajar mais. Isso faz parte da vida.
Viajo pouco, gostaria de conhecer certos lugares, e não vou por medo. Por fim, é isso.
Ter medo é uma forma de morrer. Saudade é uma forma de morte. Amar de certa forma também é.
Tudo na vida nos leva para ela. Nosso corpo vai morrendo aos poucos.
Quando perdemos alguém que amamos, quando um amigo vai embora.
Portanto, tenho mais tristezas por viver, do que medo de morrer. E não considero nem um pouco sofrível, lamentável falar dessas coisas.
Só me causa espanto as pessoas religiosas terem tanto medo assim da morte e evitarem falar dela.
Se elas acreditam tanto assim em seu deus, por que temem tanto?
"Considerate la vostra semenza:
fatti non foste a viver come bruti,
ma per seguir virtute e canoscenza." Dante
E outra citação de São Paulo.  Citada em um dos livros do Paulo Coelho, que eu li.
Eu não tenho medo da morte. Meu medo reside aqui em coisas que prefiro nem falar. Isso sim.
Mas dela não. A amo e a espero, como uma poesia final. Como algo que eu não sei. Um pouco de surpresa, um medinho bem pequeno, algo que pode acontecer no momento, tipo: o que será?
Como uma amiga um dia me disse: levantaremos o dedo para cima e? Puf, morrerei.
Será assim para mim. Ou no mar, como a delícia da morte planejada. Um dos dois.
E falar disso não me causa nada. E, espero que, se o leitor chegou até aqui, também não tenha nenhum xilique, ao término desta leitura. Que possa aprender algo, sobre mim, sobre a vida.
Pois sobre a morte nada sabemos. As religiões podem ser bem arrogantes, mas não provam nada.
Elas também nada sabem, creio eu...
Minha mãe um dia me contou que um tio, ao morrer lhe prometeu voltar e lhe contar como era. E ele nunca voltou. Ela se tornou descrente, por isso.
Depois ela me contou que fez uma promessa para meu nono parar de beber. Levou uma corrente de ouro para uma santa. Foi a pé muito longe, descalça, como deve ser as promessas. Seu pai, que a castigava e a todos na sua família, nunca parou de beber. E ela nunca mais acreditou. E ainda por cima, quando ela voltou á santa, tinham roubado a corrente.
Minha mãe era atéia, mas era como eu. Uma medrosa. Mas ao morrer, ela tinha duas religiões! As ambiguidades e estranhezas que talvez me una a ela.
Tive que chamar os dois representantes para seu féretro, uma carola deve ter ficado puta da vida, mas fiz a vontade dela. Pois uma das religiões, não muito tradicional, era muito querida com ela. Minha mãe era atéia, mas era amorosa, tinha muitos amigos. E deus é uma ilusão para esta vida de desilusões que ela teve desde o seu nascimento.
Uma vez ela me disse na beira da praia, que deus era o mar, na visão dela. E disso eu escrevi um poema, que deve estar por aí no blog.
Já começou quando eu era criança. Abriram um caixão para retirar um corpo de um vizinho e colocar sua esposa junto. Eu morri (morri! kkk) de curiosidade para ver aquilo, e minha mãe me escondia entre suas pernas a todo o custo, mas eu precisava ver aquilo de qualquer maneira.
Sendo que desesperadamente só pude ver os sapatos do morto. Até hoje sou frustrada por isso... e dou muita risada por não ter visto isso e ter esse destino de ser tão interessada nestas coisas...
Quando criança, bem pequena mesmo:
Nos finados, desde muito criança, quando íamos nos cemitérios ver os parentes de nossa famílias e das famílias dos outros, eu não estava muito interessada nos meus familiares, que digamos, pois eram sempre os mesmos...
O que eu queria ver mesmo, eram os outros túmulos.
Queria saber por que aquelas pessoas estavam ali,
quem eram aqueles bebês pequenos, como crianças podiam morrer? Se imaginava que só adultos tinham doenças, só eles envelheciam e morriam, como elas poderiam partir?
E, tenha dó, não é mesmo uma barbaridade isso, para uma criança?
Eu me perdia observando, até mesmo depois que aprendi a ler, aí a coisa era pior. E minha mãe tinha que me achar. Estava eu lá longe adorando as flores, sempre amei as rosas, sempre adorei santos (não no sentido religioso, nunca. Mas no sentido icônico). Sempre me interessei pelo colorido, pelos enfeites, pelas fotografias.
E assim até hoje, como uma criança, não entendo, entendo, busco saber.
Minha tia me contou que tiraram um bebê depois de 40 anos, para reutilizar o túmulo, e ele estava intacto, como uma boneca. Todos na volta olharam admirados para a criança. E eu morrendo (morrendo) de raiva por não ter visto essa cena. Isto também aconteceu aqui no interior do Estado.
Dizem que o contrário da morte é o sexo. Mas eu só estudo a morte.
Para mim o contrário da morte é o amor. Ou a amizade, talvez a poesia.
Num dos livros de Ezio Flavio Bazzo sobre cemitérios ele explora bem esse antagonismo sexo e morte.
Mas eu não tenho esse talento, então, esqueça.
Quem já percebeu que eu sou obcecada por essas coisas, me indicou uma vez o poema Alfonsina Y el mar, uma das coisas mais lindas que já ouvi, cantada na voz de Mercedes Sosa.
Mesmo que você odeie essas coisas, mas goste de poesia ou de alguma outra coisa, ouça esta música, pois é primorosa.
E é baseada numa história real. Uma poetisa que se suicidou no mar e deixou um poema sobre seu feito.
Ela escrevia seus poemas sobre a morte, uma vez deixou um poema embaixo do travesseiro de sua mãe.
Ela lhe disse para não escrever sobre essas coisas, lhe batendo e conferindo suas roupas todos os dias pois ela escrevia em bilhetes escondidos, para sua mãe não ver, mas era seu destino. Sua vocação.
A vida é marcada por pequenas coincidências. Minhas pesquisas sobre essas coisas, por exemplo.
No dia em que pesquisei sobre a Noiva de San Blas, no México, era exatamente o dia de aniversário dela.
Eu tive o livro Histórias Extraordinárias de Edgar Allan Poe, quem considero o melhor escritor do mundo, várias vezes. Acho que perdi, emprestei, sei lá.
Um dia uma amiga, que nunca esquecerei, me deu ele de presente, e ele hoje nunca mais sai da minha biblioteca.
E assim foram com outros livros deste tipo, onde montei minha biblioteca de terror, e até mesmo neste ano, na feira do livro encontrei outros nas trocas de livros.
Quando eu chegava com meus livros terminados de ler, também chegavam os outros iguais a mim, com seus livros. E a gente trocava.
Um livro que recomendo aos amantes do mistério, é 'O ladrão de cadáveres' de Robert Louis Stevenson, possui o conto de mesmo nome e outros. Extremamente assustador.
Agora vou me entregar para a morte do sono e para os sonhos.




Ellen Augusta
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